Em certos momentos da vida, somos chamados a tomar decisões delicadas — daquelas que tocam fundo o coração. Recentemente, eu e meus irmãos nos deparamos com um desses momentos difíceis, mas também muito especiais: decidir o que fazer com os restos mortais dos nossos pais.
Essa escolha, embora inevitável, despertou em nós sentimentos contraditórios. Por um lado, uma certa culpa por optarmos por algo mais simples, motivados por razões econômicas e pelo desejo de não prolongar indefinidamente esse processo de luto. Por outro, a dúvida persistente: será que estávamos sendo práticos demais? Frios? Estaríamos, de alguma forma, desrespeitando a memória deles?
A verdade é que, mesmo após tantos anos de ausência física, o amor pelos nossos pais continua firme — tão presente quanto antes. Sentimos que eles vivem em nossas histórias, no nosso jeito de ser, nos valores que nos transmitiram. E isso, sim, é o que realmente importa. A presença deles se faz viva nas nossas lembranças, nas atitudes do dia a dia, no cuidado que temos uns com os outros.
Compreendemos, então, que honrar a memória dos nossos pais não exige manter seus restos mortais em um local específico. Honramos sua memória ao viver com dignidade, ao transmitir seus ensinamentos, ao cultivar o amor que permanece.
A decisão não foi fácil — e talvez nunca seja para quem passa por isso. Mas ela também representou um encerramento necessário. Um gesto de amor que nos permitiu seguir adiante com leveza e respeito. Porque o amor verdadeiro não se limita a um lugar físico — ele se aloja no coração de quem permanece, como uma chama que nunca se apaga.
Rosâgela Machado